terça-feira, 4 de setembro de 2007

A EXPERIÊNCIA DE BRASÍLIA Célia Barbosa e outros

A experiência do método Paulo Freire em Brasília teve início quando Paulo de Tarso, Ministro de Educação e Cultura, instituiu junto ao seu gabinete a Comissão Nacional de Cultura Popular com o objetivo de “implantar em âmbito nacional novos sistemas educacionais de cunho eminentemente popular, de modo a abranger áreas não atingidas pelos benefícios da educação” (Portaria Ministerial nº 195, de 8/7/63). Essa comissão, presidida por Paulo Freire, seria o passo inicial dado pelo MEC para a implantação do Plano Nacional de Alfabetização.
Dias depois, outro ato legal - a Portaria Ministerial nº235, de 29/07/63 - cria a Comissão Regional de Cultura Popular do Distrito Federal, com o propósito de desenvolver e avaliar experiências de alfabetização em Brasília pelo método Paulo Freire, cujos resultados determinariam a conveniência de adoção do método em nível nacional, através do Plano Nacional de Alfabetização.
A experiência, que se estendeu até 31 de março de 1964, foi desenvolvida nas cidades-satélites do Gama, Sobradinho, Candangolândia, Núcleo Bandeirante, Setor de Límpeza Pública, entre outros, onde eram instalados os Círculos de Cultura em pequenas igrejas, galpões ou escolas, com auxílio do próprio grupo interessado, funcionando muitos à luz de lampiões e com mobiliário improvisado com recursos da própria comunidade.
O recrutamento dos analfabetos era feito através de serviços de alto-falantes instalados em veículos que percorriam as cidades-satélites, transmitindo mensagens como: “Povo analfabeto é povo escravo. Matricule-se no Círculo de Cultura mais próximo e aprenda a ler e a escrever!”
Segundo informação do próprio Paulo Freire, em Sobradinho foi realizado um comício com o objetivo de divulgar a campanha de alfabetização desenvolvida pelo Ministério da Educação e Cultura como uma nova forma de aprender a ler e a escrever. Para tanto, foi feita uma demonstração do método, na qual o Presidente da Comissão explicava o funcionamento do Círculo de Cultura, enquanto o animador projetava slides com ilustração de situações existenciais características das pessoas presentes a fim de obter a participação dessas pessoas na discussão, motivando-as a se matricularem nos cursos.
A preparação dos animadores dos Círculos da Cultura esteve a cargo do MEC, que promovia a seleção, a inscrição e os cursos de treinamento (Correio Braziliense, 19/07/63). Para esse treinamento, dado por técnicos vindos de Recife e pertencentes à equipe de Paulo Freire, o pré-requisito de escolaridade exigido era o de 2º Ciclo.
Um fato curioso que se pode relatar é que a escassez de pessoas com nível de instrução de 2º Ciclo - à época, Brasília contava com raríssimos estabelecimentos desse nível de ensino - levou o grupo executor da experiência a recrutar para função de coordenador pessoas já alfabetizadas pelo método, montando-se assim um esquema de participação em que os próprios concluintes do curso ou da escola primária regular se alistavam para os postos de coordenação.
As palavras utilizadas na alfabetização foram escolhidas a partir do levantamento do universo vocabular da população-alvo. Para tanto, foi realizada uma pesquisa nos locais onde poderiam ser encontrados analfabetos, como canteiros de obras. Hospital Distrital, Rodoviária, acampamentos, entre outros. A partir de questões sobre o dia-a-dia de cada um. foram selecionadas, entre as palavras de maior incidência, 14 que continham os fonemas e as sílabas adequadas à seqüência de aprendizagem, na seguinte ordem: tijolo, voto, farinha, máquina, chão, barraco, açougue, negócio, Sobradinho, passagem, pobreza, Planalto, eixo, Brasília.
Uma vez apresentada a palavra, a essa era associada uma situação que originava uma discussão ente o grupo. Assim, à palavra tijolo correspondia como situação um grupo de pedreirosnuma construção de Brasília, levantando uma parede. Estudados os fonemas consonânticos correspondentes às letras t, j e l, acompanhados das vogais i e o, esses eram associados às vogais a, e e u, levando o alfabetizando a formar novas sílabras. Num Círculo de Cultura de Sobradinho, um dos alfabetizandos, na decomposição fonêmica da palavra tijolo, demonstrou ter aprendido o mecanismo da leitura ao juntar as sílabas e formar a frase: “tu ja le “(que, no Português gramaticalmente aceito, seria “tu já lês”). Esse momento, testemunhado por autoridades do MEC que visitavam o círculo, foi registrado em seqüência fotográfica pelo fotógrafo que acompanhava o ministro Paulo de Tarso. Essa circunstância, segundo alguns depoimentos, de tal forma impressionou o ministro que o levou a considerar como válida a experiência, cujos resultados ele próprio tivera a oportunidade de avaliar pessoalmente. O resultado prático da visita foi a instituição do método Paulo Freire em nível nacional, através do Plano Nacional de Alfabetização de Adultos, pelo Decreto nº 53.465, de 21 de janeiro de 1964.
Outro exemplo que se pode acrescentar como significativo na experiência de Brasília é o que diz respeito à palavra Sobradinho. Esta palavra pretendia introduzir os fonemas consonânticos correspondentes às letras s, br, d e nh, apresentando como situação a ser discutida uma ilustração representada por um ônibus com a placa “Sobradinho”, que é uma cidade-satélite de Brasíla. Durante a discussão que se seguiu, sobre a palavra e sobre a cidade de Sobradinho e sua função no contexto de Brasília, um dos participantes sentenciou: “nós também somos satélite”.

Nenhum comentário: