terça-feira, 4 de setembro de 2007

O MÉTODO PAULO FREIRE Celso de Rui Beisiegel

Meu interesse pelo Método Paulo Freire de alfabetização de adultos data dos meados de 1963. Já um pouco antes ficara sabendo, pelos noticiários da imprensa, primeiro, que havia um método, recém-elaborado, que alfabetizava em cerca de 40 horas e, segundo, que esta eficiência possibilitava verdadeira revolução no curso da velha batalha nacional contra o analfabetismo. No momento dei pouca importância às informações: mais um "milagre", pensei, e destinado à vala comum das panacéias vez por outra anunciadas para os problemas de educação popular. Logo percebi que estava enganado. O método de Paulo Freire era coisa realmente séria.
Meus primeiros contatos com a prática do método ocorreram por força de atribuições docentes, no antigo CRPE (Centro Regional de Pesquisas Educacionais) Professor Queiroz Filho. Na época, alguns jovens pernambucanos, ex-alunos de Paulo Freire e meus orientandos no Seminário de Treinamento de Pessoal em Pesquisas Educacionais, ao selecionarem o objeto de sua "pesquisa de treinamento", optaram pelo estudo de uma experiência de alfabetização de adultos que estava para ser iniciada em Vila Helena Maria, no município paulista de Osasco. Era a "experiência piloto" de alfabetização de adultos da União Estadual de Estudantes e seria realizada mediante o emprego do método de Paulo Freire. A escolha do tema não fora aleatória. Era natural que jovens formados no Recife procurassem acompanhar o desenvolvimento dos trabalhos realizados sob a orientação do método elaborado por um ex-professor. E, por outro lado, um desses bolsistas, funcionário da Secretaria da Educação do Estado do Rio Grande do Norte, atuara no Programa de Alfabetização promovido pelo Governo Aluízio Alves e, aqui em São Paulo, vincula-se ao movimento de alfabetização então iniciado pela União Estadual de Estudantes. Acolhi a decisão do grupo e, enquanto orientador da "pesquisa de treinamento", fui levado a acompanhar de perto os preparativos da experiência e o desenvolvimento dos trabalhos de alfabetização.
Em julho desse mesmo ano, o professor Laerte Ramos de Carvalho, diretor do CRPE, incentivou-me a viajar para o Estado do Rio Grande do Norte, em companhia de alguns outros colegas da instituição, a fim de obtermos informações sobre a campanha de alfabetização que aí se desenvolvia sob a supervisão direta de Paulo Freire. Favoravelmente impressionado pelo que já pudera conhecer sobre as idéias e as atividades do educador pernambucano, o professor Laerte acreditava que o método talvez viesse a contribuir para a superação das "bobagens" que então dominavam a prática da educação de adultos analfabetos no país.
Atendendo às sugestões do professor Laerte e ao interesse já despertado pelos contatos iniciais com a prática do método, estive em Angicos, local da primeira e mais importante dentre as experiências de alfabetização realizadas pelo Governo do Estado do Rio Grande do Norte. Observei o funcionamento de "círculos de cultura" no bairro das Quintas, em Natal. Conversei com funcionários e estudantes responsáveis pela condução dos trabalhos. Depois, já em São Paulo, tive a oportunidade de entrevistar o próprio Paulo Freire, numa de suas passagens por esta Capital. No segundo semestre, acompanhei o desenvolvimento das atividades em Vila Helena Maria. Em 1964, coordenei os trabalhos de uma equipe de pesquisadores incumbidos, pela direção do CRPE, de avaliar os resultados de uma experiência de alfabetização realizada no município de Ubatuba, onde também se empregou o método de Paulo Freire. Entre 1965 e 1967, acompanhei os universitários da "Operação Ubatuba" na organização e nas atividades do MOVE (Movimento de Educação). Repetindo o que já afirmei no livro Estado e educação popular, durante todo esse período acumulei documentos, amizades, experiências, algumas frustrações e uma extensa relação de perguntas. Na época, cheguei a publicar alguns trabalhos sobre a alfabetização e o "ensino supletivo" de adultos. Mas, novas e urgentes solicitações da atividade docente e de pesquisa, na Faculdade de Educação e no CRPE, com muita freqüencia me afastavam de um estudo sistemático sobre o que viera observando no campo da educação popular.
A partir dos meados de 1970 pude finalmente dedicar-me à redação do estudo que apresentei como tese de doutoramento, em 1972. Deveria ter sido um estudo sobre o método de Paulo Freire. Era este, aliás, o projeto inicial. Contrariando estas intenções, entre as muitas perguntas que viera formulando nos anos anteriores, algumas, mais gerais e não elucidadas na precária bibliografia então disponível, impuseram-se à minha atenção e de certo modo forçaram a alteração do projeto. Estas perguntas giravam em torno de questões tais como: as conexões entre a educação popular e o processo de desenvolvimento; os fundamentos da crença generalizada nas virtualidades desenvolvimentistas da educação popular; as origens dos movimentos de educação em massa; as razões do descrédito que envolvia o "ensino supletivo" realizado no âmbito do sistema escolar estadual; as causas do "processo de ritualização" do "ensino supletivo"; por que o método de Paulo Freire era diferente e o que explicava sua inegável capacidade de arregimentação dos universitários para o trabalho educativo, etc. Como não poderia deixar de acontecer, tendo em conta a variedade das questões aí envolvidas e a escassez de trabalhos a propósito do assunto, impunha-se de início uma investigação geral e preliminar, destinada mais ao levantamento de problemas para futuras pesquisas do que à discussão, em profundidade, de uma ou outra dentre as muitas indagações relevantes no estudo da educação popular. Era necessário situar as origens e as vicissitudes das idéias, da legislação e das práticas da educação de adultos no âmbito de outros processos ideológicos e jurídico-políticos mais abrangentes. Sob o meu ponto de vista, o que estava investigando era apenas uma introdução ao estudo que pretendia realizar.
Tudo tem seu tempo. O estudo sobre o método de Paulo Freire foi sendo adiado para outras oportunidades. Os anos foram passando e somente agora creio estar atendendo aos compromissos então assumidos com o saudoso mestre e amigo Laerte Ramos de Carvalho e com os companheiros de aventuras na prática da educação popular.

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